Cria do Rio de Janeiro e uma das vozes mais marcantes do rap feminino nacional na atualidade, Lourena conquistou destaque na cena da música urbana ao participar de projetos renomados, como o “Poesia Acústica”, em que brilhou nas edições 9, 14 e 16, além de sucessos como “Dizeres” e “Outro Dia”. Com mais de 3 milhões de ouvintes mensais, a rapper utiliza suas letras para abordar temas como empoderamento feminino e questões sociais, trazendo reflexões profundas e conectadas à sua vivência.
Em entrevista exclusiva ao nosso portal, Lourena compartilhou os desafios que enfrentou no passado e como sua trajetória reflete superação e força. Declaradamente feminista, a artista falou sobre suas inspirações, as barreiras que precisou superar e o impacto que busca causar ao abrir novos caminhos no universo musical. Confira:
Sobre Funk: Como o feminismo moldou sua caminhada no rap e influenciou as histórias que você conta nas suas músicas?
Lourena: Quando você fala de feminismo, eu penso muito nas mulheres da minha família, na nossa história, né? Mas, principalmente, na minha mãe. Ela é uma mulher preta, baiana, que saiu do interior da Bahia e veio pro Rio de Janeiro batalhar muito pra conseguir um espaço. Trabalhou em casa de família, e eu ia com ela às vezes. Era estranho ver minha mãe naquela posição, limpando a casa dos outros e, depois, ainda arrumando a nossa quando chegava em casa. Mas, ao mesmo tempo, é tão doido… Porque, mesmo assim, ela sorria. Ela lutava não só por ela, mas pela família.
Minha mãe já passou fome; eu, graças a Deus, não passei. Ela sempre tentou proporcionar pra mim o que ela não teve. Vi minha mãe refletindo os sonhos dela em mim, como se pra ela não desse mais tempo. Mas hoje vejo uma mulher empoderada, bonita, cuidando de si, querendo se amar. Isso é fruto da luta das mulheres, da nossa ancestralidade, para que a gente se sentisse livre desse patriarcado que nos colocou em lugares de humilhação.
O feminismo moldou minha caminhada, não só no rap, mas em tudo que faço. Eu vejo mulheres em tudo, e quero que elas se sintam valorizadas, amadas. É uma luta por igualdade, para que a gente receba os mesmos direitos. Quando eles podiam votar, a gente também deveria poder. Quando eles podiam sair, a gente também deveria.
Então, faço rap pelas mulheres. Pelo feminismo. Pela minha mãe. Por mim. Por todas as que vieram antes e lutaram pra que eu fosse livre.
Sobre Funk: Na sua visão, as mulheres estão ganhando mais espaço no rap, ou ainda há barreiras difíceis de quebrar?
Lourena: Barreiras sempre vão existir. Existem muitos tipos de mulheres, e o meu lugar de fala, sendo uma mulher preta, não é o mesmo de uma mulher que é PCD ou trans. Há tantos aspectos nisso que torna a luta incessante. Sempre haverá obstáculos, mas precisamos trabalhar para que eles sejam cada vez menores. Isso acontece quando nos apoiamos umas às outras. Caso contrário, parece que sempre há espaço para eles (homens) e nunca para nós (mulheres), como se tivéssemos que fazer 10 vezes mais para conseguir uma oportunidade. E, quando conseguimos, é como se fosse só para “bater a cota”.
Sobre Funk: Quais foram os momentos mais desafiadores que você viveu por ser mulher nesse cenário?
Lourena: A vida de artista já é muito complexa porque envolve sentimentos e sonhos. Acho que a maior dificuldade que já enfrentei foi nos bastidores, principalmente com contratantes. É raro um cara chegar para cumprimentar ou falar direito com uma mulher. Eles estão acostumados a achar que as mulheres sempre têm que ir atrás. Nós, como mulheres, entendemos que conquistamos espaço interagindo, mas muitas vezes buscamos essa interação como forma de respeito, não competição. Queremos nos conectar, trocar ideia…
Já vi caras sendo headliners em festivais enquanto, por ser mulher e não ser headliner, o camarim vinha sem bebida ou com comida que eu nem escolhi. Graças a Deus, isso mudou porque comecei a me posicionar, assim como minha equipe. Chega um momento em que, se você aceita essas coisas, sua luta não vale a pena.
No fim, é tudo uma questão de posicionamento. Passamos por dificuldades, não porque queremos, mas porque aceitamos. É algo estrutural, e muitos caras nem percebem.
Sobre Funk: Olhando para o presente, você sente que estamos caminhando para uma igualdade real no rap, ou ainda temos muito chão pela frente?
Lourena: Sinto que estamos caminhando para um caminho mais igualitário, mas ainda falta chão. Historicamente, foram construídos muitos sistemas e formas de agir e pensar que levam tempo para desconstruir. Muitas pessoas, presas em suas ignorâncias, precisam ser convencidas e entender pelo quê e por que estão lutando.
É um movimento de quem já entende a importância da igualdade e de quem ainda precisa compreender isso. Esse processo leva tempo, mas estamos caminhando bem e de forma forte. Isso é o mais importante.
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